Por que é que algumas células resistem ao VIH?
Cientista portuguesa esclarece mecanismo que torna células
da pele naturalmente resistentes ao vírus da sida. A descoberta pode permitir
novas estratégias de prevenção e destruição do vírus.
Já se sabia que as células de Langerhans, presentes na
epiderme, funcionavam como uma “barreira natural” ao VIH, mas faltava ainda
perceber o mecanismo que usam para destruir o vírus e impedir que ele invada o
organismo. O segredo para derrotar o vírus está numa proteína que existe nestas
células e que é um factor de restrição do VIH, causando-lhe assim obstáculos. A
descoberta pode servir para desenvolver novos métodos preventivos e também para
destruir o vírus após a infecção.
As células de Langerhans são abundantes na epiderme e
funcionam como vigilantes do nosso sistema imunitário, sendo responsáveis por
capturar microrganismos como bactérias e vírus. As Langerhans são também umas
das primeiras células que interagem com o VIH após contacto sexual,
encontrando-se em tecidos como a vagina, o prepúcio ou o intestino.
Consórcio liderado por portugueses investiga moléculas que
impedem VIH de entrar nas células
Consórcio liderado por portugueses investiga moléculas que
impedem VIH de entrar nas células
“Nestas células, o VIH-1 é destruído por um processo chamado
‘autofagia’, que ocorre dentro das células e é capaz de digerir micróbios como
uma trituradora. A autofagia é activada nas células de Langerhans através da
acção de um factor restritivo que é funcional apenas neste tipo de células. O
mesmo factor restritivo não funciona noutras células, sendo estas por
consequência infectadas com VIH”, explica Carla Ribeiro, investigadora do
Centro Médico Académico, em Amesterdão, na Holanda, e uma das autoras do artigo
publicado na revista Nature.
O processo de autofagia ocorre em diferentes tipos de
células e a sua descoberta valeu a Yoshinori Oshimi o Prémio Nobel da Medicina
de 2016. Este mecanismo de “defesa” que ocorre no interior das células “resulta
na eliminação de organelos (componentes da própria célula) obsoletos ou
envelhecidos, funcionando como um processo de limpeza e reciclagem do próprio
conteúdo intracelular, que contribui para a sobrevivência das células”, explica
a investigadora. Por outro lado, adianta Carla Ribeiro, “este mesmo processo de
autofagia é também usado como um mecanismo de destruição de micróbios que são
capazes de entrar células humanas, como por exemplo bactérias e vírus”.
"Ligar" a reciclagem noutras células
Num artigo publicado na revista Nature Medicine em 2007, a
mesma equipa de investigadores, liderada por Theo Geijtenbeek, do Centro Médico
Académico, referia que determinadas células do sistema imunitário são
naturalmente resistentes ao VIH. “Neste nosso recente artigo publicado na
Nature, descobrimos que esta activação da autofagia é responsável pela
resistência destas células”, diz Carla Ribeiro ao PÚBLICO.
Desta vez, os investigadores investigaram um factor
restritivo (a proteína TRIM5-alfa), descrito pela primeira vez em 2004, por
outra equipa. “Nesse artigo demonstrava-se que macacos não são infectados por
VIH por causa deste factor. Mas até agora ninguém reconheceu uma função para o
TRIM5-alfa nos humanos. Nós demonstrámos pela primeira vez que este factor é funcional
em determinadas células humanas, as células de Langerhans”, explica a
investigadora.
Este factor restritivo está presente nestas células, mas
também noutras que são normalmente vulneráveis ao VIH. Mas só nas células de
Langerhans é que esta proteína tem a capacidade de "ligar" o processo
de limpeza celular da autofagia e, assim, eliminar o vírus da sida. “O próximo
passo é tentar activar a função molecular deste factor nestas células para
desencadear autofagia em células normalmente vulneráveis ao VIH e torná-las por
consequência resistentes ao vírus”, refere Carla Ribeiro.
A descoberta pode não só ajudar a perceber por que razão
algumas pessoas são aparentemente mais susceptíveis ao VIH, mas também pode
servir para testar novas estratégias de tratamento. O objectivo será, assim,
tentar “activar” o mesmo tipo de reacção desta proteína noutras células onde
ela também está presente. No entanto, é preciso fazer mais investigação nesta
área para que novas terapias possam ser desenvolvidas.
Segundo Carla Ribeiro, antes deste estudo a equipa do Centro
Médico Académico já tinha demonstrado que as células de Langerhans também são
resistentes ao vírus do sarampo. “Neste momento também estamos a investigar se
a autofagia contribui para a resistência destas células ao sarampo.”
link:http://forum.netxplica.com/viewtopic.php?t=20928&sid=33f24701e94bce18d75ae98acf359552 (visualizado em 27/02/2017)
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