Filhos de homens mais velhos têm mais mutações no seu genoma
Um estudo na Islândia mostra que, a cada ano que passa, os
espermatozóides do pai têm, em média, mais duas mutações novas no seu genoma
que transmitem aos filhos. O trabalho é publicado na revista Nature.
O reservatório do genoma está em cada pessoa na Terra. A
cada geração, misturam-se cromossomas de mulheres e homens – onde estão os
genes para construir um ser humano – e uma nova fornada de pessoas é concebida.
Mas não sem um preço. Um estudo que analisou genomas de islandeses mostra que
os filhos de homens mais velhos recebem um genoma paterno com mais mutações,
que surgiram entretanto, do que os filhos de homens mais novos. Estas mutações
podem estar associadas a doenças mentais, como o autismo e a esquizofrenia,
defendem os autores num artigo hoje na revista Nature.
A idade da reprodução é uma condicionante na mulher: está
limitada a ter filhos até à menopausa e há um risco acrescido de ter crianças
com deficiências depois dos 35 anos. O homem mantém-se fértil até perto do
final da vida, mas há um custo.
Para que todos os dias tenha espermatozóides novos, as
células progenitoras dos espermatozóides têm de estar a dividir-se
continuamente. Em cada divisão, todo o genoma é copiado: a célula utiliza uma
enorme maquinaria para copiar, tijolo a tijolo, a molécula de ADN que forma os
23 pares de cromossomas humanos e que contêm todos os genes. A evolução
arranjou muitas formas de assegurar que esta replicação do ADN fosse perfeita.
Mas, de vez em quando, há tijolos que são mal copiados e, no fim, obtém-se um
genoma quase igual mas com mutações.
No caso das células sexuais femininas, esta divisão celular
dá-se só no desenvolvimento embrionário. Quando as mulheres nascem, já têm
todos os ovócitos de que precisam. A partir da puberdade, em cada mês, uma
célula perde metade dos cromossomas para poder ser fecundada. Quanto mais velho
for esse ovócito, maior é a probabilidade de haver alterações graves no ADN que
provocam deficiências no embrião.
No caso dos homens, a divisão das células que vão dar origem
aos espermatozóides mantém-se e as mutações no ADN podem assim acumular-se
nessas células, de uma divisão para outra. "A maioria destas mutações são
neutras, algumas são nocivas e, muito raramente, uma delas é benéfica",
diz Kari Stefansson, ao PÚBLICO, líder da equipa da investigação da empresa
deCODE, com sede em Reiquejavique, na Islândia, que estuda o genoma humano.
Estudos epidemiológicos tinham mostrado que homens que
tinham filhos em idades mais avançadas transmitiam-lhes mais mutações
associadas ao autismo. A equipa de Stefansson conseguiu, pela primeira vez,
quantificar este aumento de mutações que eram inexistentes na geração anterior.
"Existem duas mutações novas por ano, à medida que o homem
envelhece", refere.
A equipa estudou o genoma de 78 filhos de casais que foram
pais em diferentes idades. A grande maioria destes filhos tem autismo ou
esquizofrenia. Procuraram por mutações nos tijolos de ADN que não existiam nem
nos pais, nem nas mães, e que por isso teriam de ter sido originadas nas
células sexuais de um dos pais. Depois, identificaram se tinham ocorrido no pai
ou na mãe.
Descobriram que, em média, cada pessoa tem 60 mutações novas
que não existiam na geração anterior. Quinze são da mãe e as restantes do pai,
mas em função da sua idade. Um homem com 20 anos passa 25 mutações novas à
descendência, enquanto um homem com 40 anos transmite 65. "É graças às
mutações que vai surgindo nova diversidade no genoma humano e 97% dessa
variação está relacionada com a idade do pai", explica o investigador.
A equipa estima que apenas 10% destas mutações novas tenham
efeitos negativos e verificou que algumas estão associadas à esquizofrenia ou
ao autismo. Uma das mutações identificada foi no gene NRXN1 – que comanda o
fabrico de uma proteína que funciona no sistema nervoso – e que foi associado à
esquizofrenia. A nova mutação faz parar a produção da proteína a metade.
Ainda não se sabe quais serão os efeitos deste fenómeno na
saúde. "Apesar de a maioria destas mutações serem benignas do ponto de
vista individual, colectivamente poderão ter um impacte sério na saúde",
defende Alexey Kondrashov, investigador da Universidade de Michigan, nos EUA,
num comentário da Nature.Uma idade para ser pai?
Kondrashov lembra que a diminuição da mortalidade infantil
está a atenuar a selecção natural. De geração em geração, a população pode
estar a acumular mutações negativas e uma das consequências pode já estar a
sentir-se. "São usados mais genes no cérebro do que noutro órgão, o que
significa que a fracção de mutações que o afectam é maior. O aumento da prevalência
do autismo em muitas populações humanas pode ser, em parte, devido ao acumular
de mutações", diz o cientista.
Para Isabel Alonso, investigadora do Instituto de Biologia
Molecular e Celular da Universidade do Porto, a importância deste estudo centra-se
na quantificação deste fenómeno. "Ainda não podemos tirar grandes ilações.
Tem sempre que se replicar a experiência noutras populações, porque a taxa de
mutações pode ser diferente na população brasileira, francesa ou na
nossa", refere a especialista em genética humana.
No último século, a Islândia sofreu mudanças sociais como a
migração do campo para a cidade, que diminuiu a idade média dos homens na
altura de serem pais. Entretanto, a tendência já se inverteu. Este estudo leva
a reflectir sobre a paternidade. "Confirma que não é saudável ser-se pai a
partir de uma certa idade", considera Miguel Oliveira da Silva, presidente
do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. "O genoma pode ser
alterado pelo ambiente, não é estático."
Darren Griffin, professor de genética na Universidade de
Kent, no Reino Unido, discorda: "Não é necessário os futuros pais mais
velhos ficarem preocupados. Há 3000 milhões de letras no ADN, o estudo detectou
mutações só nalgumas dúzias", diz.
Mas Kari Stefansson não tem dúvidas sobre as implicações das
mutações: "Quando aparecem, vão manter-se na população e ter efeitos na
diversidade humana."
link;http://forum.netxplica.com/viewtopic.php?t=17691 (visualizado em 27/02/2017)
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